Efeitos da pandemia por Covid-19 no setor de Celulose e Papel
João Cordeiro e Manoel Neves(*)
As projeções de crescimento da economia global em 2020, revistas a partir dos efeitos da pandemia por Covid-19, são alarmantes no curto prazo. Dados da Consensus Economics, combinados a estimativas de longo prazo da OCDE e da AFRY, mostram uma queda acentuada na geração de riquezas, que deve ficar negativa em 4% este ano. Todos os maiores mercados amargarão perdas significativas, com exceção da China, que hoje aponta para um crescimento do PIB de 1,9% - bem abaixo do índice de 6,7% registrado em 2016 e que foi o menor crescimento registrado das duas últimas décadas.
A Europa Ocidental, por exemplo, deve encolher 8% este ano, enquanto os países da América do Norte terão um PIB negativo de 6,4%. No caso da América Latina, o tombo estimado é de 4% e, observada de forma isolada, a maior economia do bloco, o Brasil, deve encolher ainda mais, com queda do PIB entre 6% e 10% em 2020.
A pandemia catalisou tendências globais, com impactos estruturais e permanentes. A digitalização e o trabalho remoto cresceram nas empresas; o ensino a distância tenta preencher a lacuna que o isolamento social impôs, e estamos vendo o comércio eletrônico avançar rapidamente em diversos setores. Ou seja, são todas tendências que impactam, de alguma forma, o consumo de papel.
No setor de Celulose e Papel, a pandemia criou impactos temporários, mas também acelerou mudanças estruturais. A demanda por papel de imprimir e escrever, que já vinha caindo rapidamente nos últimos anos, se acelerou, e com ela foi reduzida a oferta de aparas brancas ao mercado. O segmento de tissue foi impactado positivamente, por conta do aumento da demanda por produtos de higiene pessoal. Houve também um aquecimento do mercado de embalagens devido a maior demanda por produtos considerados essenciais, como os alimentos. Mas ainda pairam incertezas quanto à demanda total de celulose de mercado nesse ano – a principal queda viria do grande impacto negativo causado pela queda da demanda de papéis para impressão.
Em queda desde meados de 2018, a rentabilidade dos produtores de celulose teve as margens ainda mais pressionadas no último trimestre do ano passado. O setor corre para se ajustar por meio do aumento do preço, com a redução de produção e o menor número de projetos no pipeline em 2020-2025, ainda mais porque os estoques de celulose estão acima da média histórica, mesmo depois do aumento dos embarques no final do ano passado. Some-se, que a demanda por fibras têxteis permanece fraca, fazendo com que parte da capacidade de celulose solúvel esteja disponível para produção alternativa de celulose para o mercado de papel, e isso enfraquece o equilíbrio geral do mercado.
Nos últimos meses de 2020, espera-se que o preço da celulose de fibra curta (BHKP) na China apresente uma pequena recuperação, como reflexo do reaquecimento da economia local após a fase mais aguda do surto da COVID-19. Isso poderá ocorrer caso a economia mundial se recupere, gerando assim o aumento da produção e consumo de papéis, com consequente menor ociosidade das fábricas, e da redução de estoques mundiais. Nesse contexto, em abril, a produção de papel pela China aumentou em 6%, na comparação com o mesmo período do ano passado.
Já no Brasil, a produção de celulose de mercado deve superar os 20 milhões de toneladas em 2020, e a produção de celulose solúvel de eucalipto deve continuar a crescer nos próximos anos. Os investimentos previstos em novas unidades de produção têm como objetivo atender o mercado externo, em particular a China, que já há alguns anos superou a Europa como principal destino da celulose nacional, e cujas importações continuarão a crescer. Atualmente, três projetos de celulose estão em implantação no mercado brasileiro: o da Lenzing/Duratex (MG), o da Bracell (SP) e o Puma II Klabin (PR), este último integrado com a produção de kraftliner.
O cenário também é positivo para o papel tissue. Ao ser declarada pela Organização Mundial de Saúde como pandemia global, em março, a COVID-19 gerou pânico inicial na população brasileira, que correu para comprar e estocar produtos considerados essenciais. Muitos deles desapareceram dos pontos de venda nos primeiros dias, como foi o caso do papel sanitário, mas a situação foi rapidamente equacionada, porque existe capacidade instalada, em função dos investimentos em modernização que os fabricantes de tissue realizaram nos últimos cinco anos. Portanto, uma boa notícia é que não há risco de desabastecimento. E a outra é que, com a pandemia, o consumo de tissue deve crescer em torno de 4,5% este ano, em comparação aos 3,3% registrados em 2019. Isso porque o consumo de papéis sanitários tende a aumentar, de forma sistemática, depois da crise, estimulado por mudanças de hábitos de higiene, como, por exemplo, a substituição dos secadores de mãos elétricos pelas toalhas de papel.
Se confirmada, esta projeção recoloca o setor no ritmo registrado antes da crise econômica de 2014, demonstrando que o consumo do mercado brasileiro ainda pode crescer mais e que há espaço para produtos de maior valor agregado. Por outro lado, o consumo de tissue “away-from-home”, por parte do comércio em geral e do setor de serviços, como hotéis, bares e restaurantes, deverá ter uma recuperação mais lenta, acompanhando o ritmo de retomada gradual das atividades, até atingir um padrão de crescimento próximo ao das vendas de papéis sanitários, papel toalha e guardanapos de papel para residências e hospitais.
O setor de embalagens, do mesmo modo, foi influenciado pela pandemia. Dados da AFRY mostram uma queda de 70% na demanda por embalagens para produtos não essenciais, como vestuário, por exemplo. Em contrapartida, cresceram os pedidos de embalagens para itens considerados essenciais, incluindo embalagens para alimentos e bebidas, produtos farmacêuticos, higiene e limpeza, como reflexo do aumento das vendas, da necessidade de ter esses bens estocados em prateleiras e da grande quantidade de embalagens utilizadas em produtos essenciais.
Outro setor impactado pelos efeitos da pandemia foi o de papelão corrugado. As vendas vinham crescendo desde junho do ano passado, sofreram uma ligeira queda em abril, mas apesar disso, o setor deve continuar aquecido até o fim do ano, muito em função da substituição do consumo de alimentos fora de casa pelo delivery, e também pela substituição de parte do comércio de portas abertas pelo e-commerce.
A produção da indústria local de papelão corrugado deve ser impulsionada ainda pela forte desvalorização cambial do real frente ao dólar, pois o aumento do preço do papel em reais tem levado o mercado consumidor a ampliar o estoque de embalagens, ainda que essa estocagem possa ser reflexo da incerteza quanto à regularidade da entrega de matérias-primas ocorrida nos primeiros meses do ano. Ainda assim, paira um otimismo no setor, e o mercado brasileiro deve acompanhar o crescimento global de papelão corrugado a partir de 2021.
Já no mercado de aparas, apesar de o consumo aparente de papel não ter aumentado significativamente no Brasil na última década, o consumo cresceu entre 2011 e 2019, ultrapassando as 5 milhões de toneladas no ano passado. Contudo, mesmo com o aumento do consumo de aparas pelos mercados de tissue e embalagens, a demanda total tende a ser menor nos próximos dois anos. Embora haja um movimento preventivo de formação de estoques em toda a cadeia, como forma de se precaver contra a desvalorização do real, que influencia no aumento do preço, a oferta de aparas tende a diminuir no curto prazo. É que a disponibilidade de aparas caiu pela metade, dado que a infraestrutura de coleta, voltada principalmente às redes de comércio, escritórios e indústria, praticamente parou a partir de março, com o fechamento de shoppings, lojas de rua, redução da atividade da indústria automotiva e das importações de bens de consumo.
O mercado de celulose e papel, portanto, apresenta muitas variáveis que estão e podem seguir alterando o comportamento das vendas, em níveis diferentes de acordo com o segmento. De qualquer forma, nem tudo no mundo da pandemia é de perspectivas negativas. Caberá ao próprio mercado de consumo ditar algumas tendências, que já se esboçam, e que influenciarão o desempenho desses mercados.
(*) João Cordeiro é Senior Principal da AFRY Management Consulting na Finlândia, e Manoel Neves é responsável por Estudos Econômicos da Pöyry no Brasil